5
fev
2018

Uma volta ao mundo em português

SERGIO RODRIGUES, escritor e linguista. Foto: BEL PEDROS

Por que uma língua falada por um quarto de bilhão de pessoas distribuídas por quatro continentes, não merece mais atenção? O jornalista sueco Henrik Brandão Jönsson fez uma longa viagem para descobrir o porquê desse fenômeno. Uma das razões pode ser que Portugal e o Brasil continuam a brigar a respeito de como as mudanças da reforma ortográfica da língua em 1990 devem ser realizadas.

Quando Vasco da Gama retornou a Lisboa no ano de 1499, foi recebido como um herói. Na realidade ele não havia conseguido cativar o governante da Costa de Malabar, mas acabou sendo o primeiro europeu a descobrir o caminho marítimo para as Índias e a romper o monopólio comercial dos venezianos. Somente as especiarias e os tecidos que os portuguêses adquiriram em Calicute, pagaram pela expedição seis vezes, dando início ao que os historiadores denominaram de “Carreira da Índia”, uma frota de centenas de caravelas que navegariam entre Portugal e a Índia nos próximos anos.

Além do comércio, a descoberta de Vasco da Gama possibilitou a expansão da língua portuguesa. Durante as próximas gerações, os portugueses conquistariam as mais importantes metrópoles comerciais do mundo, criando a primeira superpotência mundial. O Rei Dom Manuel I, que havia se tornado regente de Portugal em 1495 por um acaso, comandava a maior e a mais rápida frota de navios do mundo, que entreligava a Europa com a África, com a Índia e com a China.

Em uma dessas viagens comerciais para a Índia em 1500, Pedro Álvares Cabral navegou excessivamente para o lado oeste do Oceano Atlântico tendo como resultado, terra à vista. O navegador achou a princípio que havia descoberto uma grande ilha, fazendo com que cravassem uma cruz na areia e batizando o lugar de Ilha de Vera Cruz. O que o navegador não sabia era que aquela terra não se tratava de uma ilha. Era o continente sul-americano. Devido a um erro de navegação, os portugueses haviam conquistado o país onde hoje há o maior número de falantes do português, o Brasil e, assim, começeu um longo e difícil conflito entre as variantes da língua.

Apesar de todos os oito países, que têm o português como língua oficial, terem assinado um acordo sobre a reforma ortográfica da língua em 1990, Portugal e o Brasil continuam discutindo em como as mudanças devem ser realizadas.

O escritor e linguísta brasileiro, Sérgio Rodrigues, passa a mão pela cabeça calva em sua sala de estar no bairro da Gávea, no Rio de Janeiro.

— Parece uma briga de família. Gostamos uns dos outros e desejamos o melhor para a nossa língua, mas queremos fazer cada um do nosso jeito. Tem prestígio em jogo. Muitos jornalistas e escritores portugueses se negam a seguir a reforma ortográfica— diz ele.

Sérgio Rodrigues publicou no ano passado o livro “Viva a Língua Brasileira”, muito elogiado pela crítica e que faz uma provocação ao chamar a língua portuguesa de brasileira. O objetivo do escritor e linguísta é mostrar que 210 milhões de brasileiros desenvolveram o idioma, tornando-o algo todo seu.

— Nós brasileiros amamos as vogais e alongar as palavras. Passamos muito tempo ao ar livre, com o sol brilhando e somos mais abertos como pessoas que os portugueses. Eles são o contrário, se fecham em si mesmos e adoram as consoantes. Fecham tanto as palavras, que mal dá para ouví-las.

Uma outra explicação pela qual o português brasileiro acabou ficando com uma pronúncia tão diferenciada, segundo o Sérgio Rodrigues, foi o longo período em que o Brasil viveu como um gigante isolado rodeado de vizinhos falantes da língua espanhola.

— Portugal nos abandonou e tivemos que desenvolver a língua sozinhos— diz ele.

O Brasil é o país que mais comprou escravos africanos no mundo, o que pode também justificar que o idioma tenha ficado distinto. Os brasileiros usam a palavra “bagunça”, que tem origem em uma língua bantu que se fala em Angola. Já em português europeu as palavras usadas são “desordem ou confusão” para descrever a mesma coisa.

— A influência africana mudou a nossa maneira de falar— diz Sérgio Rodrigues, que é um dos maiores linguístas do Brasil.

Sérgio Rodrigues escreveu três romances, sendo que o último , “O Drible”, recebeu um dos prêmios mais importantes da língua portuguesa, o “Grande Prêmio Portugal Telecom”. Ele também escreveu o livro de não-ficção “What língua é esta?”, que descreve como os brasileiros usam o seu idioma. Todas as quintas-feiras ele escreve uma das colunas mais lidas no maior jornal do país, a Folha de São Paulo. Sérgio Rodrigues acredita que um dos motivos pelo qual o português tenha ficado tão marginalizado é a falta de uma frente unida que ajudaria a promover o idioma.

— Veja a Academia Espanhola em Madri, por exemplo. Lá eles chegaram a um acordo e aceitam que a língua seja falada de diversas maneiras, como no México, na Argentina, na Colômbia e na Espanha. Não há nenhuma rivalidade. Para eles é espanhol igual, seja tratando-se de Jorge Luis Borges, Miguel de Cervantes ou de Gabriel Garcia Márquez. Os escritores de língua espanhola têm também uma forte ligação com Madri. Os escritores brasileiros não tem o mesmo vínculo com Lisboa, pois durante a ditadura militar no Brasil, os intelectuais se exilaram em Roma, Paris e Londres. Ninguém escolheu ir para Lisboa. Já os escritores espanhóis foram residir em Madri ou Barcelona.

A língua portuguesa não dispõe de um instituto cultural poderoso para propagar o idioma no exterior. Enquanto o inglês, o francês, o espanhol e o alemão são divulgados com sucesso pelo British Council, pela Alliance Française, pelo Instituto Cervantes e pelo Instituto Goethe, a língua portuguesa conta apenas com acanhado Instituto Camões, comandado pelo Ministério das Relações Exteriores de Portugal. O ex presidente Luiz Inácio Lula da Silva, durante a sua gestão entre 2003 e 2010 tentou fazer mudanças nesse setor, criando o Instituto Machado de Assis, que tinha como objetivo divulgar a cultura brasileira e a língua portuguesa no mundo, mas pouco tempo depois foram obrigados a abandonar o projeto por falta de recursos.

— É realmente uma pena não divulgarmos a nossa língua e a nossa cultura como deveríamos fazer— diz Sérgio Rodrigues.

O escritor e linguísta acredita que o principal motivo da língua portuguesa ter ficado tão marginalizada, apesar de ser significamente maior que o alemão, que o francês e que o italiano, tenha sido a divergência existente entre o Brasil e Portugal.

— O Brasil é o quinto maior país do mundo e poderia engolir Portugal de uma só vez. Os portugueses ouvem música brasileira, assistem as nossas telenovelas e amam as nossas praias, ainda assim eles têm um orgulho tão grande que faz com que não nos levem a sério. Acho que tem a ver com o fato de que o Brasil se tornou muito maior que Portugal em diversas áreas. A reação dos portugueses diante da nossa hegemonia é não perder o controle sobre a língua, que é a última coisa que lhes restou.

Apesar da reforma ortográfica ser obrigatória no ensino fundamental em Portugal, muitos portugueses se recusam a utilizar as modificações que já foram realizadas no Brasil, fazendo com que em Portugal ainda se escreva “contacto” no lugar de “contato” e “óptimo” em vez de “ótimo”. Quando o conflito estava no seu auge, Portugal obrigou as Nações Unidas a traduzir os seus documentos em uma versão portuguesa e em uma versão brasileira, já que em Portugal se diz por exemplo “cimeira”, o que no Brasil é chamado de “cúpula”. Apesar das variedades, não há grandes diferenças na língua escrita.

No último andar de um belo prédio colonial em Pangim, capital de Goa na Índia, trabalha Inês Figueira, que tem a função de divulgar a língua portuguesa no país. Inês é a diretora da Fundação Oriente, que recebe recursos de Portugal para fortalecer as relações culturais e históricas entre Portugal e os países Asiáticos, Índia, China e Timor Leste. Sua principal incumbência é coordenar os professores que ensinam português nas escolas secundárias em Goa. Essas escolas cedem seus locais e a fundação apoia os professores financeiramente.

Apesar do nacionalismo hinduísta estar se espalhando pela Índia, todo ano o número de alunos aumenta. Nesse ano mais de mil alunos se inscreveram nos cursos de português em Goa.

— O meu maior desafio agora é encontrar professores com a formação adequada. Até mesmo os meus melhores professores conjugam os verbos de maneira errada algumas vezes— diz Inês Figueira rindo.

A quantidade de alunos ter aumentado em 11% por ano não se deve apenas ao fato de que os habitantes de Goa querem aprender o português para se tornarem mais atrativos no mercado de trabalho. A principal razão desse crescimento é o sonho dos jovens de vencer o Concurso da Canção Portuguesa – Vem Cantar, que a Fundação Oriente organiza a cada ano e que conta com a participação de 200 inscritos. Um certo número dos participantes, que têm idades entre os 8 e os 80, são qualificados para a final, que é um dos maiores acontecimentos do ano de Goa. Os participantes são avaliados por seus dotes vocais, mas os temas escolhidos têm necessariamente que ser em português.

Uma das alunas do curso, que deu início a uma carreira de sucesso após vencer o festival de música, foi a cantora de fado Sónia Shirsat. Depois de ficar em primeiro lugar, ela ganhou uma bolsa de estudos para se aprofundar nas origens do fado, em Lisboa.

— Sónia é a mais importante embaixadora da língua portuguesa em Goa. Muitos querem ser como ela— diz Inês Figueira.

O desafio da fundação é que nem todos veem com a mesma alegria o ambiente liberal que os colonizadores deixaram na Índia como herança. Dentro do partido nacionalista hindu, o BJP, que governa o país, há o ramo RSS, que é de extrema-direita. O assassino de Mahatma Gandhi em 1948 era membro do mesmo partido e achava que Gandhi era indulgente demais em relação aos muçulmanos.

Desde que Narendra Modi assumiu o cargo de primeiro-ministro em 2014, o RSS se achou no direito de atacar vários prédios coloniais em Pangim. Seus membros arrancaram placas de ruas escritas em português, assim como riscaram nomes portugueses que estavam gravados nas fachadas dos prédios.

— É muito ridículo. A língua portuguesa não é nenhuma ameaça contra a Índia atualmente— diz Inês Figueira.

A apenas 45 minutos de ferry de Hong Kong, está localizada a península de Macau. É uma região administrativa especial na China, que se tornou o maior antro de jogos de azar do mundo. Todos os dias aproximadamente 400 mil chineses sedentos em jogar, desembarcam na região, onde os cassinos faturam sete vezes mais que em Las Vegas. Na parte antiga da cidade em um prédio colonial de cor ocre, que antes abrigava o hospital português, há a sede do Instituto Português do Oriente. A instituição cultural é coordenada pelo Instituto Camões, mas recebe a metade de sua verba da Fundação Oriente. A cada ano o Instituto Português do Oriente recebe até 5 mil alunos chineses interessados em aprender o português.

— A China é o país onde a língua portuguesa mais cresce atualmente— diz João Neves, diretor do Instituto Português do Oriente.

A explicação para isso pode ser encontrada nas relações comerciais com o Brasil. Mesmo que o Brasil esteja passando por uma crise política, social e financeira, o país ainda é a sétima economia mundial e é lá que a China mais investe em toda a América do Sul. Já faz muitos anos que a China está na frente dos Estado Unidos como o maior parceiro comercial do Brasil.

— Muitos chineses querem aprender o português, para poderem fazer negócios com o Brasil— afirma João Neves.

Quando os cursos noturnos iniciam às seis da tarde, os corredores do antigo hospital se enchem de estudantes chineses a caminho das suas salas de aula. Eu participo de uma turma composta por estudantes que chegaram ao nível mais alto do curso, o C1. Todos eles sabem escrever e falar português, mesmo que sem muita fluência. Nenhum deles escolheu estudar o idioma para trabalhar com o Brasil. A motivação maior deles é usar o português para fazer carreira em Macau, pois sendo a região bilíngue (cantonês e português), os funcionários públicos que tiverem fluência nos dois idiomas serão os mais cotados para postos de chefia. Outros estudantes que fazem o curso são advogados chineses que precisam interpretar a legislação em Macau, que ainda está ancorada no português.

— Nós sempre saímos ganhando ao aprender português— diz Maggie Lu, que estudou português durante quatro anos.

Além da gramática, a pronúncia é um grande desafio. Um dos problemas dos estudantes chineses é a pronúncia da letra “r”, que é extremamente vibrante no português europeu. A palavra “prato” acaba facilmente se tornando “pato”.

— Eles se esforçam muito com a pronúncia e têm dificuldades com os gêneros, mas vão melhorando aos poucos. Eles são os meus melhores alunos— diz o professor João Paulo Pereira.

Macau não assinou a reforma ortográfica de 1990, mas João Paulo Pereira a usa em suas aulas.

— Não entendo por que se discute sobre a reforma ortográfica, pois já foi implementada e deve ser seguida— diz ele.

HENRIK BRANDÃO JÖNSSON

Tradução de Fernanda Sarmatz Åkesson

Publicada na revista sueca de »Språktidningen«, 1/2018.

 

Dados sobre o Português

Propagação

Países onde o português é a língua oficial: Angola, Brasil, Guiné-Bissau, Moçambique, Cabo Verde, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste.

Regiões onde se fala o português: Goa na Índia e Macau na China. Inclusive em Caracas na Venezuela e em Toronto no Canadá, o português é muito falado devido à significante imigração dos Açores e da Madeira.

 

CPLP

Os países de língua portuguesa formaram a união CPLP, Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, para fortalecer o comércio entre os países. Até a nação petrolífera Guiné Equatorial é integrante, apesar do país ter deixado de ser colônia portuguesa em 1778.

 

Reforma Ortográfica

A reforma ortográfica feita em 1990 tinha como objetivo a criação de um padrão internacional da ortografia portuguesa. A reforma foi ratificada por todos os países onde o português é língua oficial.

A reforma pretendia unificar a língua portuguesa escrita. No acordo foram abolidos a maioria dos “c” iniciais em combinação com “cc”, “cç” e “ct”, além dos “p” iniciais em “pc”, “pç” e “pt” no português europeu e africano, assim como o trema e os acentos em palavras que terminam em “éia” no português brasileiro. Algumas novas regras de ortografia também foram acrescentadas.

No entanto, Portugal e o Brasil ainda têm dificuldades em manter o acordo e as duas variantes continuam a apresentar diferenças.

Português europeu: acção, direcção, facto, eléctrico

Português brasileiro: ação, direção, fato, elétrico

Fonte: Wikipedia

 

Exploradores

Vasco da Gama deu início a uma viagem em 1497 com o objetivo de encontrar uma nova rota de navegação para a Índia. Suas viagens bem-sucedidas fizeram com que Portugal ficasse com o monopólio do lucrativo comércio com a Índia. Três anos mais tarde, Pedro Álvares Cabral chegou ao continente sul-americano por um acaso, ele também estava navegando a caminho da Índia. Os produtos mais cobiçados no comércio com a Ásia eram entre outros especiarias, pedras preciosas e seda. Os negócios ajudaram Portugal a se tornar uma grande potência com colônias distribuídas por diversos continentes.

 

O mundo lusófono

Os países de língua portuguesa fazem parte do chamado “mundo lusófono”. “Luso” tem origem no deus romano Lusus e “fon” vem da palavra grega para “voz” ou “som”. A parte ocidental da Península Ibérica é chamada de Lusitânia.

 

As 10 línguas mais faladas no mundo

  • Chinês
  • Espanhol
  • Inglês
  • Hindi
  • Árabe
  • Português
  • Bengali
  • Russo
  • Japonês
  • Punjabi

 

3 perguntas para Henrik Brandão Jönsson

Você é de Malmö[1]. Como foi parar no Brasil?

No verão de 1998, morei em Lisboa e trabalhei na exposição mundial Expo 98. Aprendi português e no ano seguinte fui para Cabo Verde. Uma noite, quando eu estava na praia olhando para o Atlântico, disse para o meu colega, fotógrafo: “Lá longe, em algum lugar, fica o Brasil. A gente devia ir para lá.” No ano seguinte, voamos para o Brasil e depois disso posso dizer que não voltei mais para casa.

 

O português tem alguma semelhança com o dialeto de Malmö?

Os ditongos são os mesmos. Para um nativo de Scania (província no sul da Suécia) é bem mais fácil aprender o português do que para outros suecos.

 

Como os brasileiros veem o espanhol?

O Brasil sempre se sentiu mais próximo culturalmente dos Estados Unidos, da Europa e da África que de seus países vizinhos. Há 15 anos quando Lula da Silva se elegeu presidente, isso mudou. O número de brasileiros que passou a aprender o espanhol vem aumentando desde então.

[1] Cidade sueca localizada no sul do país, na região de Skåne e a terceira mais habitada.

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