»Bem-vindo ao Rio!« – Corrupção e Crime no aeroporto de Tom Jobim
Há algo de mágico quando se sobrevoa o Rio. Você passa pelo Pão de Açúcar, desliza pela Baía de Guanabara e se depara com uma beleza inigualável. De ambos os lados, montanhas cobertas de verde e favelas coloridas, fazem um grande contraste com as sofisticadas fachadas dos prédios ao longo da costa. Tudo isso rodeado por praias reluzentes e com uma população com a menor marca de biquíni do Brasil, sendo que no centro, encontra-se o imponente palácio, da época em que o Rio era o coração pulsante do Império Português. Do alto de um morro, o Cristo Redentor dá as boas-vindas de braços abertos. Há apenas uma coisa que não é como deveria ser – para chegar na cidade você precisa, em primeiro lugar, passar pelo aeroporto Galeão.
Durante 14 anos eu tenho transitado, no mínimo uma vez por mês e às vezes até mais, pelo Galeão, em decorrência do meu trabalho como correspondente internacional de América Latina e sempre me surpreendo como uma das metrópoles mais conhecidas do continente pode ter um dos piores aeroportos. Não seria mais lógico que este cidade balneária barulhenta, que conta com uma população de doze milhões de habitantes, recebecesse seus visitantes da mesma maneira deslumbrante com que a natureza o faz?
Todas as vezes em que eu fiquei impaciente e perguntei aos funcionarios do Galeão, sobre que destino tinha tomado a minha bagagem, recebi as mais diversas respostas: “O trator está estragado.” “Estamos com falta de funcionários.” “A esteira nova não está funcionando.” “A alfândega está realizando uma fiscalização surpresa.” As respostas desencontradas acabaram por despertar a minha curiosidade e, com as Olímpiadas de 2016 pela frente, decidi que iria descobrir porque demora tanto para que alguém receba a sua bagagem, naquele aeroporto batizado com o nome do criador da bossa nova. Acabou sendo uma viagem ao lado escuro do Brasil.
Com exceção dos EUA, o Brasil é o país que dispõe de mais aeroportos no mundo. A razão disso é o tamanho. Se não contarmos com o Alasca, o Brasil possui um território maior que o dos Estados Unidos. O país conta com três fusos horários e se estende desde os invernos gelados no sul até o clima de floresta tropical no norte. Uma vez que o Brasil não tem uma autoestrada que faça a ligação entre as extremidades do país, quase todas as empresas grandes possuem aviões jatos, o que fez com que a Embraer, encarregada da construção dos 36 caças suecos Gripen, se tornasse a terceira maior produtora mundial de aeronaves. As péssimas condições das estradas ajudaram de criar o terceiro maior mercado do mundo em vôos domésticos. Apenas os Estados Unidos e a China possuem mais passageiros e mais itinerários aéreos que o Brasil. A cada ano, as empresas aéreas brasileiras, transportam aproximadamente 80 milhões de passageiros dentro do país.
Considerando que o Brasil tenha ficado tão dependente das viagens aéreas, os aeroportos deveriam estar entre os melhores do mundo, você pensa, mas não é bem assim. Segundo o relatório da indústria de turismo do Fórum Econômico Mundial do ano passado, os aeroportos brasileiros ficaram em 112º lugar entre os 141 países da lista. A segunda maior economia do continente, o México, se saiu duas vezes melhor que o Brasil e ficou em 63º lugar. Os melhores aeroportos da América do Sul estão no Chile, que ficou em 45º lugar. É estranho que a maior economia da América Latina tenha os piores aeroportos do continente. A culpa é do Infraero.
Esta autoridade governamental conta com mais de 12 000 funcionários e administra 60 aeroportos de grande porte. Depois que a aviação nacional sofreu dois graves desastres aéreos, durante os anos de 2006 e 2007, onde 353 passageiros perderam a vida, a oposição formou uma comissão no congresso para investigar a empresa pública de aviação. Alguns meses mais tarde, a investigação contendo 1 102 páginas foi apresentada, alegando que a Infraero havia se tornado em uma das estatais mais corruptas do país. O Tribunal de Contas da União encontrou informações indicando que a estatal havia desviado R$ 3 bilhões na ocasião da reconstrução de nove aeroportos. Apenas com a construção de um terceiro terminal no Aeroporto Internacional de Guarulhos, o Tribunal de Contas da União descobriu que a pista de pouso havia sido superfaturada em R$ 83,5 milhões. A investigação mostrou que muitos envolvidos na rede de corrupção eram gestores nomeados politicamente. Para instituir exemplo, o Ministro da Defesa do país, que é o maior responsável pelos vôos domésticos, foi demitido juntamente com mais noventa e oito chefes, que foram chamados de jabutis no galho. “Se está lá é porque alguém botou, porque jabuti não sobe em árvore”, declarou o Ministro.
O Galeão, ficou em primeiro lugar quando o site internacional de viagens eDreams, fez uma pesquisa entre os seus clientes, sobre qual era o pior aeroporto do mundo. A falta de regulamentação fez com que todos, desde o local de estacionamento, motoristas de táxi, lojas de duty free e até alfândega criassem as suas próprias regras. Até mesmo a Anvisa, que tem como atribuição vacinar os viajantes com destino à Amazônia contra a febre amarela, estava envolvida na rede de corrupção, pois seus funcionários passaram a cobrar por uma vacina que estava de graça.
Aquela que tem como compromisso a verificação do cumprimento das leis no aeroporto é a Polícia Federal, que dispõe de uma de suas sedes no Galeão. Ali trabalham centenas de agentes muito bem remunerados, cuja a função é monitorar as fronteiras externas do Brasil. Todos os agentes andam armados e podem prender quem quiserem ou quando quiserem. No verão passado, o historiador uruguaio e integrante da Academia Uruguaia de Letras, Gerardo Caetano, foi algemado depois de ter questionado porque ele deveria passar pelo controle de passaporte, uma vez que só estava em trânsito.
Marcelo Freire tem a minha idade, mora no mesmo bairro que eu e é Procurador da República. Para chegar ao gabinete dele, sou obrigado a passar por seguranças armados na entrada e no corredor ao lado de sua sala, localizada no 12º andar e com vista para a Avenida Presidente Vargas. Como o Ministério Público é uma das únicas instituições brasileiras que ainda não é tão afetada pela corrupção, seus membros são, continuamente, alvos visados pela criminalidade organizada do país.
Marcelo Freire foi o líder de um grupo de promotores que, há doze anos, começou a investigar o trabalho da Polícia Federal. Foi algo inédito no Brasil. O grupo escolheu averiguar a polícia federal do Rio e depois de anos de investigações secretas, os promotores apresentaram dez diferentes organizações criminosas lideradas por policiais. Uma das atividades principais era o contrabando de mercadorias no Galeão. Durante um ano os promotores interceptaram os celulares dos agentes e conseguiram provar que a polícia, juntamente com a Receita Federal e com a Infraero, comandava uma máfia que contrabandeava computadores, telefones celulares e demais equipamentos eletrônicos dos Estados Unidos para o Brasil. Em uma das conversas gravadas, um dos agentes diz para um colega: “Amanhã chegará no Delta 061 às 9:19. A pescaria vai ser boa.” A investigação mostrou que o cartel cobrava 300 dólares por bagagem, para que seu proprietário passasse pela Receita Federal sem arriscar a pagar uma taxa de importação de 60% do valor da mercadoria. As malas eram então, retiradas por outro lugar ou a Receita Federal permitia a sua passagem. Um dos contrabandistas, integrante do cartel, havia feito o equivalente a mais de cem viagens por ano para Miami.
Para tornar possível uma prisão em flagrante, os promotores foram obrigados a colaborar com a Polícia Federal, mas como os promotores desconfiavam inclusive de que o chefe da mesma polícia fizesse parte do cartel, tiveram que pedir ajuda à Polícia Federal de Brasília. O delegado reconheceu como um grande risco que Polícia Federal estivesse se dedicando à atividades de cunho criminoso e, assim, preparou uma força de intervenção sem igual.
No dia 1º de dezembro de 2011, um batalhão de 130 policiais, promotores e funcionários da Receita Federal chegou ao aeroporto e realizou 39 buscas à domicílio pela cidade. Mais de cem pessoas estariam envolvidas no cartel, entre eles doze funcionários da alfândega, três agentes da Polícia Federal e dezenas de civis. A imprensa noticiou sobre o contrabando, chamando o Galeão de “queijo suíço”, por apresentar tantos buracos. Apesar dos promotores terem provas suficientes, nenhum juiz teve a coragem de ordenar a prisão de algum dos suspeitos, pois se tratava de agentes da respeitada Polícia Federal e os juízes exigiam mais provas. Os promotores pediram a Infraero para que mudasse o vínculo das câmeras de segurança, a fim de que eles pudessem ver quem passava com as mercadorias contrabandeadas pela alfândega. Quando os promotores voltaram para lá, depois de algumas semanas, encontraram as câmeras direcionadas para as paredes. Desde então perceberam que os funcionários da Infraero estavam envolvidos no cartel de contrabando.
Marcelo Freire conta do caso de um agente que não estaria envolvido na quadrilha. Uma noite, quando era a sua vez de inspecionar a área de carga de um avião procedente de Miami, o tal agente estranhou seu colega não permitir que a bagagem fosse encaminhada para a esteira de bagagens. Em vez disso, algumas malas foram encaminhadas para outro local de saída. O agente questionou o que o colega estaria fazendo, mas não obteve nenhuma resposta. No dia seguinte, o agente foi até o seu chefe e contou o que tinha presenciado. O chefe nada fez além de dar outras atribuições de trabalho ao agente que havia denunciado o contrabando. Alguns meses mais tarde, esse chefe fez uma denúncia contra o agente, por este não estar cumprindo com suas obrigações.
— Quando tomamos conhecimento do que estava acontecendo, o agente estava prestes a ser demitido. Entramos com uma contestação e informamos o que sabíamos das atividades da polícia federal no aeroporto. O agente manteve a sua posição, mas permanecerá em silêncio no futuro— opina Marcelo Freire.
Quando a investigação foi concluída, o juiz havia indiciado dezenas de policiais suspeitos em constituir o núcleo das atividades criminosas no aeroporto. Tendo em conta que a justiça brasileira é bastente lenta, o juiz ainda não conseguiu levar as acusações à julgamento.
Parte da investigação foi também sabotada.
— Um dia quando fui verificar se o processo teria ido adiante, vi que alguém havia entrado no sistema e feito mudanças na acusação. Eu fiquei sem saber como agir— declara Marcelo Freire, abrindo os braços.
Muitos outros promotores já teriam desistido, mas Marcelo Freire continuou a tentar fazer justiça, o que fois se tornando cada vez mais difícil e perigoso para ele.
Os agentes da Polícia Federal não são apenas qualificados para arranjar um acidente de carro ou coisa pior, eles também sabem a onde eles podem procurar o submundo do crime para executar as ameaças. No meio do processo, um pacote foi entregue para o Ministério Público. Esse pacote continha um dvd, com uma sequência de um filme de Hollywood, onde alguém encomendava o assassinato de outra pessoa.
— Claro que eu fiquei com medo. Tenho esposa e filhos— diz o Procurador da República.
Marcelo Freire temia continuar morando no Rio e pediu transferência para Brasília. Sua família o acompanhou e seus filhos começaram a frequentar uma nova escola. Durante três anos ele evitou viajar para o exterior através do Galeão.
— Eu temia sofrer represálias ou alguma outra coisa. O contrabando no aeroporto gera uma quantidade muito grande de dinheiro. Vamos dizer que o cartel cobre agora 500 dólares por mala. A cada voo, talvez temos cinco malas envolvidas. Quantos aviões chegam dos EUA a cada dia? Dez talvez. O resultado disso é 175 000 dólares por semana.
— É claro que a polícia não quer que alguém atrapalhe os seus negócios, pois muitos dependem desse dinheiro— diz Marcelo Freire apontando para a rua principal, a Avenida Rio Branco.
No meio dessa avenida, o Edifício Avenida Central, de 34 andares, se destaca. Lá encontramos centenas de lojas de produtos eletrônicos, desde computadores, impressoras, câmeras e telefones celulares. A investigação havia comprovado que muitas dessas lojas são propriedade de familiares de policiais. Os promotores suspeitam que muitas das mercadorias contrabandeadas são vendidas nessas lojas. Foram feitas varias apreensões nesse local, que as pessoas conhecem como Shopping da Informática.
— É um mito dizer que a Polícia Federal é a polícia honesta do Rio. Eles são tão corruptos como os policiais de rua ou até pior— observa Marcelo Freire.
A maior dificuldade para ele e para o Ministério Público foi conseguir condenar os policiais, pois na maioria dos casos, estes são absolvidos. Quando havia chegado a hora de encerrar o processo, em um dos dez casos, os agentes mudaram os seus testemunhos, apontando um dos agentes como o único culpado. Ele assumiu a culpa de tudo e foi condenado à prisão. Todos os outros foram inocentados. O que o juiz não sabia era que o agente que assumiu a culpa estava doente de câncer, em estado terminal. Depois de um mês na prisão, ele faleceu. O único que foi parar na cadeia foi um agente responsável pelo contrabando de pedras preciosas e joias.
— É como colocar a mão na areia e pegar um punhado. Quanto mais você apertar, mais areia escapa da sua mão. Quando você abrir a mão, vai ver que sobraram apenas alguns grãos e se tem que estar satisfeito com isso. Depois, tem que voltar a colocar a mão na areia— diz o Procurador.
Muitos dos policiais acusados ainda trabalham no aeroporto, e entre eles, o suposto chefe do cartel. Apesar da intervenção policial ter sido feita há quase cinco anos, ainda não há data marcada para o julgamento começar.
— No Brasil tudo tem o seu tempo— diz o Procurador suspirando e olhando para a pomposa Avenida Presidente Vargas.
Essa mesma avenida desemboca no estádio de Maracanã, onde será a cerimônia de abertura das Olimpíadas, no dia 5 de agosto esse ano.
— Falando sério, estou preocupado. Eu acho que o sistema de contrabando continua, se bem que hoje são mais produtos eletrônicos que entram ilegalmente no país. Mas imagine se algum terrorista descobre como funciona o sistema e se aproveita dele para realizar os seus objetivos? Se você pagar, ninguém vai examinar a sua mala, que pode conter qualquer coisa. Desde substâncias de doping até armamentos. Eles até poderiam entrar com uma bomba atômica para as Olimpíadas de 2016— diz ele.
Como exemplo, ele menciona a explosão do avião russo, sobre o Egito no final do ano passado.
— Como se consegue entrar com uma bomba em um avião hoje em dia? Com todo o controle de segurança que existe? Com certeza a bomba já estava à bordo por haver uma estrutura de contrabando no aeroporto. Os terroristas conheciam o sistema e pagaram aos funcionários para que pudessem passar com a bagagem. Ninguém se importou em verificar o seu conteúdo e 224 pessoas explodiram no ar.
Quando a FIFA decidiu que o Brasil seria a sede sa Copa do Mundo de 2014, o presidente da CBF foi questionado sobre qual seria o maior problema do país em organizar o evento.
— Eu vejo apenas três problemas— respondeu Ricardo Teixeira— Os aeroportos, os aeroportos e os aeroportos.
O que ele queria dizer era que os aeroportos brasileiros eram antigos, mal dimencionados e não possuiam o mesmo padrão internacional que os viajantes do mundo todo estavam acostumados. Para que o pentacampeão mundial não passasse vergonha na sua própria casa, o governo doou R$ 440 milhões para a Infraero realizar melhorias no Galeão diante da Copa do Mundo de 2014. A ideia era de que o Terminal 1, que parecia pertencer ao leste Europa, fosse reformado e ganhasse novos balcões para se fazer o check in. Assim não foi o caso, pois a Infraero desperdiçou o dinheiro e as melhorias foram feitas apenas no Terminal 2, inaugurado em 1999 e que ainda se encontrava em bom estado.
A Presidente Dilma Roussef chegou à conclusão de que não podia mais confiar na Infraero e decidiu privatizar o Galeão. O PT foi contra a sugestão e queria continuar a ter controle sobre o segundo maior aeroporto do país. Acabou sendo como sempre costuma ser no Brasil quando alguém tenta ir até o fundo com alguma coisa, um mau negócio. A empresa privada que ganhou a licitação do aeroporto, foi obrigada a criar uma empresa junto com a Infraero. Várias companhias europeias e americanas mostraram interesse em assumir o aeroporto, mas a licitação foi ganha pela Changi Airports International, com sede em Singapura e que administra cerca de 40 aeroportos na Ásia, Rússia e Índia. Seu maior aeroporto, o Changi Airport em Singapura, foi escolhido como o melhor do mundo, seis vezes seguidas nos últimos quinze anos, pela empresa de consultoria britânica Skytrax.
Uma outra exigência do governo foi que o ganhador da licitação aumentasse o tamanho do Terminal 2 para as Olimpíadas de 2016, quando dois milhões de atletas, funcionários, torcedores e jornalistas irão passar pelo aeroporto. Para que mais ninguém levasse alguma vantagem, o governo sugeriu que a Changi Airports contratasse os serviços da sua construtora preferida, a Odebrecht.
A Changi Airport formou uma nova empresa com a Odebrecht, batizando-a de RIOGaleão. A Infraero ficou com 49% das ações, a Odebrecht com 30,6% e a Changi Airport teve que se contentar com 20,4%. Havia mais um outro problema no acordo. Um ano mais tarde, foi revelado que a Odebrecht estava envolvida no maior escândalo da corrupção brasileira de todos os tempos. O presidente da organização, Marcelo Odebrecht, que agora está atrás das grades, condenado a 19 anos de prisão por corrupção, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha, numa operação que havia desviado aproximadamente R$ 15 bilhões.
Um andaime sobre rodas, movido a controle remoto, apita enquanto dá marcha ré sobre o chão empoeirado do que será a parte nova do Terminal 2. Uma equipe de seis homens prepara um tubo de ventilação, prendendo o controle no teto. A esteira para os 26 novos portões já está no lugar e, pela primeira vez, parece que alguma coisa vai ser terminada a tempo no Brasil.
— Apesar de nos encontrarmos em plena crise econômica, conseguimos manter o ritmo dos trabalhos. Tudo estará pronto para a inauguração— promete Diogo Moraes, assessor de imprensa do RIOGaleão.
Eu mal posso acreditar quando eles me mostram os novos banheiros. Em quase 15 anos passando pelo aeroporto, eu praticamente já tinha me acostumado com o cheiro de urina dos banheiros e mictórios danificados e cobertos com sacos de lixo pretos, sem falar das pias entupidas e transbordando. O que eu vejo a minha frente agora é algo completamente diferente. A entrada para os banheiros é coberta por uma parede de flores tropicais e as pias brancas são do mesmo padrão do aeroporto de Frankfurt.
— Todos, de agora em diante, vão querer utilizar esse terminal— diz o assessor de imprensa.
A nova ala do aeroporto conta agora com várias butiques internacionais e cafeterias conhecidas, onde os passageiros se sentirão à vontade. Só há uma coisa que não mudou. A bagagem vai continuar chegando pelo Terminal 2, onde a Polícia Federal tem o controle. Eu pergunto se posso visitar a área de manuseio de bagagem, para ver com os meus próprios olhos a razão da habitual demora. O assistente de imprensa sacode a cabeça, dizendo:
— Não temos permissão para entrar lá. É a Polícia Federal quem manda.
Quando a visita guiada pela nova área do aeroporto chega ao fim, voltamos de micro ônibus para a sede de administração do aeroporto. O antigo prédio da Infraero, de três andares, parece um bunker de concreto. O prédio havia sido construído durante a ditadura militar e continua sendo pintado de cinza. Apesar da Infraero ter se mudado dali, a empresa privada que agora administra o aeroporto, ainda não ocupou o local. O RIOGaleão preferiu acomodar mal os seus funcionários na antiga sala VIP, em frente. Centenas de mesas de trabalho formam um labirinto de escritórios e o ar condicionado está ligado no máximo, na sala do chefe mais alto.
Luiz Rocha tem 62 anos de idade e trabalhou para a Odebrecht durante toda a sua vida profissional. Seu primeiro trabalho como chefe foi o de construir o Terminal 2 no Galeão, nos anos 90. Depois disso ele trabalhou no exterior durante 20 anos, onde viveu a maior aventura de sua vida, ao liderar a ampliação do aeroporto de Trípoli no Libano, na época da queda de Gaddafi do governo. Naqueles dias conturbados, ela foi obrigado a fretar vários navios para evacuar os 3 500 funcionários asiáticos para a Itália. Sua primeira missão ao retornar ao país foi a ampliação do Terminal 2, para as Olimpíadas de 2016.
— Voltei ao início do jogo— diz Luiz Rocha, dando risada.
Dessa vez o desafio é ainda maior. O Brasil está passando pela pior crise econômica dos últimos 25 anos, sendo que há uma ano o presidente da Odebrecht e outros sete chefes se encontram na prisão. Os promotores, que investigam o envolvimento da empresa de construção no maior escândalo de corrupção do país, confiscaram inclusive uma parte dos recursos da empresa. Luiz Rocha sacode a cabeça quando eu pergunto o quanto a prisão do presidente da empresa afetou a reforma.
— Não afetou em nada. Somos uma empresa subsidiária encarregada da ampliação do terminal. O financiamento já saiu— ele declara.
Luiz Rocha está sentado entre dois assessores de imprensa, na sala de reuniões da empresa. Os assistentes fazem questão de destacar o “novo aeroporto” na maneira mais positiva possível.
— Vamos dizer que estamos transformando um aeroporto muito criticado, no melhor do Brasil. O objetivo é fazer com que o Galeão seja a principal porta de entrada para a América Latina— diz Luiz Rocha.
A grande prova será realizada daqui a alguns meses, quando dois milhões de passageiros desembarcarem no Rio para participarem das primeiras Olimpíadas com sede na América do Sul.
— Vamos passar na prova galantemente. Estou convencido disso— declara Luiz Rocha.
Segundo ele, o problema com a corrupção estatal já foi solucionado. Apesar da Infraero possuir 49% do Galeão, ela nada tem a dizer sobre a sua administração. A Infraero já não tem mais permissão de contratar a empresa de limpeza mais barata, para que sobre mais dinheiro para os políticos. Além disso, o problema de manuseio da bagagem ainda não foi solucionado.
— Compramos novas esteiras de bagagem e reduzimos o tempo de espera para 22 minutos, o que é um padrão internacional. Agora creio que estamos por volta dos 30 minutos— diz Luiz Rocha.
Eu conto que nas últimas vezes que eu cheguei de viagem, levou aproximadamente 50 minutos para que a minha bagagem aparecesse na esteira. Eu pergunto se ele tem conhecimento da investigação do Ministério Público no cartel de contrabando. Luiz Rocha diz que “ouviu falar disso, mas que não está informado dos detalhes.”
— Eu posso lhe assegurar que não é mais assim— ele diz.
Eu pergunto como ele sabe disso.
— Eu tive várias reuniões com a Polícia Federal e com a Receita Federal do aeroporto. Os chefes querem colaborar e fazer o melhor trabalho possível— ele responde.
Luiz Rocha acha que o maior problema do aeroporto é outro.
— Temos que colocar ordem no serviço de táxis. Não dá para continuar assim— ele diz.
Quando a Infraero administrava o aeroporto, haviam duas cooperativas de táxis, a Aerocoop e a Aerotaxi, que exerciam seu monopólio sobre os passageiros. As cooperativas eram gerenciadas pelo o que a mídia brasileira chamava de “máfia do táxi”. Quando o monopólio foi dissolvido, alguns anos atrás, os motoristas da cooperativa passaram a agredir os novos motoristas que tinham coragem de apanhar passageiros no aeroporto. Em um mês, 14 motoristas foram agredidos, sendo que um deles foi parar no hospital com a perna quebrada e lesões no rosto. O clima de anarquia havia piorado depois que a nova administração deu permissão que 1 500 táxis, vinculados ao aplicativo “Resolve aí”, apanhassem passageiros no aeroporto. Se o problema dos táxis não for solucionado, os passageiros que chegam para as Olimpíadas, irão ter um bando de motoristas de táxis gritando e puxando as suas malas, como a sua primeira impressão do Rio.
— Queremos que os motoristas façam um curso que estamos organizando. Queremos também que eles aprendam algumas frases em inglês— diz Luiz Rocha.
Uma das pessoas envolvidas na investigação é André Batista, que trabalha na primeira instância do Ministério Público do Rio e é especialista em crimes econômicos. Para poder chegar ao seu escritório, também preciso passar por seguranças fortemente armados no corredor. André Batista diz que não faz diferença que o aeroporto tenha sido privatizado, pois o mesmo continuará sendo um queijo suíço.
— O imposto é tão alto, que as pessoas acham normal haver fraudes. Os policiais e funcionários da alfândega veem tudo como parte de sua obrigação em ajudar a burlar. Poucos enxegam o contrabando como um crime— diz ele.
O promotor apanha o seu celular e me mostra uma discussão, na qual ele participou há alguns meses. A conversa inicia como um convite para uma festa de Natal, que ele tinha recebido de seus antigos colegas da Aeronáutica, onde havia trabalhado anteriormente. Seus colegas começam discutindo como tudo tinha ficado caro no Brasil e a melhor maneira de se comprar produtos caros seria pegar um voo barato para Miami e contrabandear os produtos na própria bagagem. Um dos outros convidados para a festa, um agente da Polícia Federal aposentado, havia trabalhado toda a sua vida no Galeão. Ele havia respondido na conversa: “Se vocês precisarem entrar com alguma coisa no país, falem comigo.”
O promotor me mostra a última mensagem da conversa: “Me passem o dia, o número do voo e a hora de chegada com antencedência, que eu dou um jeito.”
— Discutir abertamente sobre contrabando se tornou algo normal. Ninguém tem medo de ser pego— declara André Batista.
Ele concorda com o Procurador da República, Marcelo Freire, que o problema com a corrupção não é somente o contrabando de eletrônicos. O risco é que terroristas fiquem sabendo como o sistema funciona e se aproveitem para contrabandear armamentos para as Olimpíadas de 2016. A chance de impedir o contrabando é mínima. Ninguém do Ministério Público tem o direito legal de controlar a Polícia Federal e as inspeções dos promotores ainda não tinham dado resultado.
— Marcelo Freire é quem chegou mais perto. Mais que isso é muito difícil— diz André Batista.
A Polícia Federal também é responsável pelo controle de passaportes no aeroporto e é a autoridade que emite vistos no Brasil. No Rio, é onde os pedidos de visto demoram mais tempo para sair. O meu processo levou 1 460 dias, apesar de eu já ter o direito de residência permanente, garantido pela constituição, pelo motivo de que a minha filha é nascida no Brasil. Devido à extrema demora com os vistos, muitos contratam um despachante. É muito comum que esse mesmo despachante, ofereça ao seu cliente a possibilidade de acelaerar esse processo, através de uma taxa de pagamento extra. Também é possível se comprar um visto de residência ou de trabalho.
No ano passado alguns promotores revelaram, no Tribunal Regional do Trabalho do Rio, que a Policia Federal havia vendido vistos de trabalho para chineses, no valor de R$ 42 000 por pessoa. Os vistos teriam sido comprados por empresários chineses, que empregavam esses trabalhadores em regime de escravidão, em seus restaurantes no Rio.
— A Polícia Federal no Galeão age como se estivesse acima da lei— diz André Batista.
Um outro aspecto que veio à tona durante a investigação, foi que a apreensão de cocaína no Galeão diminuiu drasticamente no período de um ano. Depois de ter permanecido estável numa quantidade de 350 quilos por ano, baixou para 13 quilos. Os promotores reagiram com a diferença e suspeitaram de que os agentes também estivessem envolvidos no contrabando da droga.
— Ou a Polícia Federal vendeu a cocaína que apreendeu ou foi subornada para fechar os olhos. Não há possibilidade de que a procura pela cocaína tenha diminuído tanto assim em apenas um ano— declara André Batista.
Quando eu, depois de cinco meses terminei essa investigação, enviei um e-mail perguntando à assessoria de imprensa da Polícia Federal no Rio, se eu poderia entrevistar o seu chefe no Galeão. Não recebi nenhuma resposta. Passei semanas telefonando, mas só consegui falar com eles uma única vez. O assistente de imprensa me explicou que a central telefônica estava estragada, mas que eles haviam lido os meus e-mails e iriam me responder, o que não aconteceu. Acabei seguindo o exemplo do Procurador Marcelo Freire e fui pedir ajuda em Brasília. Na superintendência da Polícia Federal me confirmaram que eles também tinham problemas para entrar em contato com a sede do Rio, mas prometeram me ajudar. Depois de uma semana, finalmente, recebi uma resposta da assessoria de Imprensa no Rio.
“Não será possível atender a sua demanda pela entrevista”, foi a mensagem que recebi, sem qualquer explicação a respeito de porque a entrevista não era viável. Em vez disso, a assessoria de imprensa me assegurou que eu não precisava me preocupar com a segurança nas Olimpíadas.
Eu não fiquei satisfeito com essa afirmação e telefonei novamente para a superintendência em Brasília, contando que eu tinha testemunhas que dizia que a Polícia Federal ainda estaria envolvida em um cartel de contrabando no Galeão.
— Eu preciso de um comentário sobre essas evidências— eu disse.
— Nós não emitimos nenhum comentário sobre o processo judicial em curso— respondeu o assessor de imprensa.
Eu mencionei que já tinham se passado mais de cinco anos, desde que a inspeção havia sido feita e que não se podia esperar mais.
— Os meus leitores querem saber como a Polícia Federal vê as acusações.
— Como eu acabei de dizer, não queremos atrapalhar as investigações. Não temos permissão para nos pronunciar sobre as acusações— respondeu o assessor de imprensa.
Uma semana mais tarde, visito novamente Marcelo Freire na Procuradoria da República no Rio e lhe conto como a assessoria de imprensa da Polícia Federal havia reagido. Ele não se mostra nada surpreso.
— Não quero lhe assustar, mas há riscos com o trabalho que você está realizando. Como você deve ter percebido não há ninguém que escreva sobre o contrabando, apesar de muitos terem conhecimento deste. Você precisa ter cuidado. Lembra que depois que eu entreguei a minha investigação, não tive coragem de usar o Galeão por três anos.
Eu fico com medo e pergunto o que pode acontecer.
— Pode acontecer de alguém colocar cocaína na sua bagagem ou alguma outra coisa. Esses policiais fazem parte de uma máfia que controla grande parte do contrabando no Rio. Estamos falando de uma movimentação de milhões de reais por mês e eles não querem que ninguém se intrometa nisso— diz Marcelo Freire.
Ele me pede para entrar em contato com a Embaixada da Suécia no Brasil e informar ao embaixador sobre o que eu estou fazendo. Ele também acha que devo contar sobre a reportagem para a minha esposa. Depois que saí da Procuradoria, mandei uma mensagem ao embaixador, contando brevemente sobre o assunto. Mais tarde, perguntei para a minha esposa se ela estava disposta a tomar um chopp. Quando eu conto para ela o que o Procurador havia dito, ela olha para mim, sacudindo a cabeça.
— Esses policiais são muito perigosos. Imagine se alguma coisa acontecer com a nossa filha?
Eu explico a ela que a reportagem só será publicada na Suécia e que não irá ser divulgada no Brasil, o que faz com que ela fique mais calma.
Um mês mais tarde estou de volta ao Galeão, esperando pela chegada da minha bagagem.
Quando me mudei para o Rio há 14 anos, eu achava que as malas demoravam para chegar, porque tudo é mais devagar nos trópicos, mas isso mostrou-se era puro preconceito. Na realidade, o que acontece nos bastidores do aeroporto, é uma atividade intensa e bem organizda, onde se separam as malas que já pagaram as taxas de contrabando daquelas que não pagaram. Depois que eu, finalmente, retiro a minha bagagem da esteira e controlo se ninguém colocou alguma coisa nela, me dirijo em direção à saída. A última coisa que vejo, antes de ouvir os gritos dos motoristas de táxis, é uma placa pendurada no teto, com os seguintes dizeres: “Bem-vindo ao Rio!”
HENRIK BRANDÃO JÖNSSON
Nota de rodapé: André Batista é um nome fictício.
Informação: O Brasil dispõe de 44 aeroportos internacionais e 2 444 regionais.
Publicado no Dagens Nyheter, Suecia, 29/04/2016
Tradução de Fernanda Sarmatz Åkesson