»Brazilian Blues« – Um olhar estrangeiro sobre o Brasil
Uma tarde, fui passear na enseada de Botafogo, no Rio. Era um inverno que oferecia uma atmosfera clara, leve, uma temperatura de 25 graus e um céu radioso. Parei perto do estacionamento, ao lado do monumento a Estácio de Sá, para comprar uma água de coco de um homem que montara um quiosque dentro de uma Kombi. No outro lado da baía, reluzia o Pão de Açúcar à luz do sol. Havia gente que passava, correndo e andando de bicicleta. À distância, reconheci a minha colega suíça da Associação dos Correspondentes da Imprensa Estrangeira. Andando de mãos nos bolsos, ela se aproximou. Havia um ano que eu não a via.
“Fiquei um tempo meio recolhida”, disse minha colega da Suiça.
Ela contou que tinha caído naquilo que, no jargão dos jornalistas estrangeiros, é designado por Brazilian Blues. A situação já atacou a maioria dos correspondentes que eu conheço no Rio. O motivo não está no fato de o Brasil ser uma terra triste para morar, antes pelo contrário. O correspondente, muitas vezes, chega a entrar em estado de euforia. O Brasil é uma espécie de Estados Unidos tropical, com um ritmo sufocante. Inteligente, elegante e indisciplinado. É difícil resistir à fácil convivência. Após algum tempo, o correspondente também reconhece que o seu trabalho é muito mais interessante de que pensava. O Brasil trata-se de um continente, maior do que a Europa, com uma mistura interessante de origens, religiões e culturas. Os 27 estados parecem países diferenciados. E a vida mais bacana parece encontrar-se no Rio, onde moram 70 por cento dos cerca de 300 correspondentes no Brasil. A lua de mel é divertida, mas a volta à realidade representa uma dura queda.
“Tenho ficado em casa nos últimos tempos”, contava a minha colega.
Os recorrentes escândalos de corrupção acabaram por arrasar a esperança que a correspondente do Neue Zürcher Zeitung tinha para o futuro do Brasil. Não importava que o país tivesse se tornado a sétima economia do mundo e que as descobertas de petróleo no pré-sal fizessem prever que a terra do samba seria em breve uma potência mundial de primeira linha. Ela tinha percebido que a subida do Brasil ao primeiro mundo jamais iria acontecer, porque uma de suas “pernas” ainda está atolada, profundamente, no terceiro mundo. Escolas, saúde e saneamento básico não são direitos adquiridos no Brasil. São antes produtos vendidos a quem pode pagar.
“A MPB foi a minha salvação. Fiquei escutando todos os álbuns ”, disse ela.
A fuga da minha colega para longe da realidade fez com que ela descobrisse a Música Popular Brasileira. Ao recorrer a discos de artistas como Chico Buarque, Gal Costa, Milton Nascimento, Maria Betânia e Gilberto Gil, ela acabou por se aproximar da maneira brasileira de viver. Em vez de ficar olhando para o lado podre da sociedade, Hanna acabou se concentrando no lado saudável ― a música. Convidou gente para churrascos e velejou para Ilha Grande. Resolveu trabalhar menos e fazer mais exercícios físicos. Superficialmente, estava tudo bem. Mas era nos olhos que a diferença se notava. Ela estava dominada por sentimentos de depressão, pelo Brazilian Blues.
“Acho que não vou renovar o contrato de trabalho” ― disse ela antes de seguir caminho.
A primeira vez que vim ao Brasil foi no ano 2000, por conta de uma revista de turismo da Suécia. Várias agências da Escandinávia tinham começado a organizar viagens para a cidade de Natal e a revista queria que eu fizesse uma reportagem sobre o tipo de excursões existentes ao redor desse destino. Eu e um colega fotógrafo alugamos um carro e fomos parar nas dunas, junto do paraíso para surfistas chamado Praia da Pipa. Depois, viajamos para o desértico e quente Sertão e fomos encontrar um lugar ameno, cheirando a pinheiros, chamado Martins, que se eleva 745 metros acima do mar, sobre uma montanha. No dia seguinte, visitamos um sítio arqueológico, Lajedo de Soledade, e vimos inscrições arqueológicas em pedras calcárias com até dez mil anos de idade. Terminamos a ronda rolando pelas dunas de Areia Branca, ao longo de uma encosta salgada e ensolarada.
Quando o fotógrafo voltou para casa, eu peguei o ônibus para Recife. Já ouvira falar, por um amigo, que Olinda era um dos lugares mais bacanas do Brasil. Uma noite, fui sentar-me na esquina Quatro Cantos e pedi uma cerveja. Fiquei surpreendido com o tamanho. Na Suécia, a garrafa com 330 ml de cerveja é o normal. Aqui, são garrafas com quase o dobro. Encostei-me à parede quente e fiquei vendo como os outros faziam. Eles bebiam o líquido em pequenos copos e dividiam a cerveja da garrafa entre si. “Como é que era possível no Brasil um pobre dividir a cerveja com outros?”, pensei. Na Suécia rica, todos ficam sentados – cada um com a sua garrafa – e jamais nos passaria pela cabeça dividir a bebida com alguém.
Dois meses mais tarde, voltei ao Brasil. O Ministro José Serra, da Saúde, tinha desafiado a indústria internacional de medicamentos e deixado que o Instituto Manguinhos rompesse a patente dos antirretrovirais que entram na fórmula do coquetel contra o HIV. A minha missão era visitar o instituto que fabricava as primeiras cópias genéricas e escrever a respeito do investimento do Brasil como o primeiro país em desenvolvimento a distribuir gratuitamente os antirretrovirais entre a sua população.
Um dia, uma amiga sueca no Rio me convidou para ir a Santa Teresa. Era domingo e ela quis que fôssemos a um clube cubano de salsa, que ficava no Casarão Hermê. Achei que havia algo de errado. A salsa é dançada no resto a América Latina. No Brasil, dança-se o samba. Também achei estranho ir dançar num clube na tarde de um domingo. Na Suécia, o domingo é o grande dia de descanso. No Brasil, ao que parecia, era o grande dia de festa. Aceitei o convite e fui.
Já no terraço, não pude deixar de notar a sua presença. Ela olhava para a entrada da baía da Guanabara e afastava os cabelos encaracolados que o vento soprava para o seu rosto. Era uma mulata alta e imponente, com brincos prateados pendendo das orelhas. “Uma jogadora de vôlei cubana”, pensei. Após uns momentos de hesitação, resolvi ganhar coragem e avançar. Ela afastou mais uma vez os cabelos encaracolados do rosto e abanou a cabeça quando lhe perguntei, em espanhol, se tinha vindo de Cuba. “No, I’m a carioca”, respondeu ela. Fiquei espantado. A única pessoa de aparência cubana num clube cubano era brasileira e falava inglês. Em seguida ela me perguntou de que país eu era. Contei-lhe que vinha da Suécia e estava gozando as belezas do Rio de Janeiro enquanto escrevia sobre as tentativas do governo brasileiro para furar o monopólio global das indústrias dos antirretrovirais.
Ao voltar para a sua mesa, ela se sentou ao lado de uma senhora idosa, a sua mãe. Achei que era muito querido da parte de uma mulher tão bonita trazer a mãe a um clube de salsa e resolvi perguntar se poderia me sentar com elas. A minha amiga sueca chegou a seguir e ficamos falando sobre o carnaval que estava próximo. A minha amiga entendeu rapidamente que eu estava caído pela “cubana” e prometeu tentar obter o número do telefone dela. A desculpa dada foi a de que queríamos telefonar-lhe mais tarde, para pedir dicas para visitar diversas escolas de samba. Em vez disso, alguns dias depois, fui eu que lhe telefonei a perguntar se não aceitaria tomar um chope comigo uma noite dessas.
Ela mostrou-se desconfiada e pareceu acreditar que eu era um desses aventureiros atraídos ao Rio para caçar uma mulata e, depois, seguir em frente. A “cubana”, na realidade, era uma respeitável professora de História que morava na Glória e trabalhava numa escola privada, tradicional, na Tijuca. Ela não estava disposta a sair com um aventureiro. Tive que convencê-la e combinamos ter um encontro, alguns dias mais tarde, no bar Simplesmente, em Santa Teresa. Tomei um bonde do Centro, mas, ao passar no Largo do Guimarães, o bonde parou. Alguém tinha estacionado o carro de maneira que o bonde não podia passar. O condutor desceu e ficou perguntando nos bares em volta quem era o dono do Gol mal estacionado. E quem saiu do Simplesmente nesse momento? Nada mais, nada menos que a exuberante “cubana”. O carro era seu. E ela mudou o automóvel de lugar de uma forma tão espetacular e, ao mesmo tempo, tão suave, que me deixou apaixonado.
Dessa vez não houve beijos. Nem no encontro seguinte. De fato, foram precisos cinco encontros com Regina para que ela baixasse a guarda. Aconteceu na fila depois de uma noite fantástica, no Emporium 100, na Lapa, local que antecedeu o atual Rio Scenarium. Nós nos beijamos até chegar ao caixa, e depois, durante todo o caminho, no táxi, até chegar a casa dela. Embora fosse mais velha do que eu, Regina ainda morava na casa da mãe. Aí, paramos. Despedimo-nos, já que no dia seguinte eu teria de pegar o voo para a Suécia.
Alguns meses mais tarde, Regina me telefonou. Estava a caminho da Europa, de férias, e me perguntou se poderíamos nos ver em Portugal. Eu já tinha passado um ano em Lisboa e não hesitei um segundo. Peguei o primeiro avião e marcamos encontro diante do café A Brasileira, no Chiado. Depois, levei-a para os meus lugares favoritos no Bairro Alto. E, em seguida, alugamos um carro e viajamos por todo o país.
Um dia, chegamos a Évora, na província do Alentejo, uma região bastante seca, mas que cheira bem, a tomilho, e encontramos uma pensão bem aconchegante. A cidade já estava sonolenta, indo para a cama pelas dez horas da noite. Nós ainda queríamos dar uma saída e nos indicaram o Jonas Bar. Era um lugar bastante escuro, instalado num apartamento. Éramos os únicos clientes e encomendamos nossos drinques. Para minha alegria, o bartender colocou para tocar uma canção antiga do Whitesnake, o meu conjunto favorito na adolescência. E logo comecei a cantar de viva voz. A música seguinte não tinha nada a ver com hard rock. Era um samba de Martinho da Vila! Regina voou para o tablado de dança e eu pensei: se um bar no Alentejo podia tocar as nossas músicas, uma em seguida à outra, então, Regina e eu não constituíamos, afinal, uma constelação assim tão estranha.
No dia seguinte, viajamos para a pequena cidade de Monsaraz, existente desde a Idade Média, no cimo de uma montanha, na fronteira com a Espanha. Todas as casas da cidade são pintadas de branco e, durante a noite, impera o silêncio total. Fizemos amor ao ar livre, à luz da lua – estávamos ficando apaixonados de verdade.
Após duas semanas de viagem, a aventura terminou e nós não sabíamos, ao certo, quando nos voltaríamos a encontrar. Tudo dependia dos nossos trabalhos. Nessa época, o interesse pelo Brasil não era especialmente grande na Suécia e para o jornal bastavam algumas reportagens por ano. Só seis meses mais tarde, quando se realizou o World Social Fórum, em Porto Alegre, o jornal resolveu me enviar para cobrir o evento que se tornou um sucesso global. Fiquei dois meses no Brasil, amando Regina cada vez mais.
Desde a grande greve dos metalúrgicos de São Paulo, em 1979, Luiz Inácio Lula da Silva passou a ser conhecido na Suécia. A greve começou na fábrica sueca dos caminhões Scania, em São Bernardo, e, pela primeira vez, os suecos ficaram sabendo em que condições trabalhavam os seus colegas brasileiros. Os líderes da Scania ficaram furiosos diante daquilo que fazia o líder barbudo da greve, mas os trabalhadores da fábrica-mãe, perto de Estocolmo, resolveram apoiar os seus colegas no Brasil. Todas as sextas-feiras, eles juntavam dinheiro vivo que era mandado por um mensageiro para a caixa da greve no Brasil. Graças à contribuição dos colegas na Suécia, Lula conseguiu manter viva a greve durante dois meses até que os patrões resolveram ceder e aumentar os salários dos operários, de modo a compensar os efeitos da inflação. Os metalúrgicos brasileiros receberam um aumento de 63 por cento e os suecos saudaram Lula como o Lech Walesa da América do Sul.
Ao voltar da viagem a Porto Alegre, falei para o meu chefe que Lula pensava candidatar-se às eleições presidenciais e que ele, desta vez, tinha uma chance de ganhar. O meu chefe não hesitou sequer um momento:
“Vai, isso aí devemos cobrir”.
Durante um mês, fiquei instalado no Paysandu Hotel, o mesmo em que o autor Stefan Zweig morou na sua primeira visita ao Rio de Janeiro. Ao vencer as eleições presidenciais, Lula voltou às primeiras páginas dos jornais na Suécia e vi aí a minha grande chance. Eu queria me juntar com Regina. Precisava apenas convencer o meu chefe a me colocar como correspondente no Rio. Ele respondeu que as finanças do jornal não permitiam isso, mas se comprometeu comigo a comprar alguns artigos por mês caso eu me mudasse para o Brasil. Assinei ainda um contrato equivalente, com outro diário sueco, e, quando me tornei o homem do jornal dinamarquês “Politiken, aí a situação ficou resolvida. Assim, pude mudar para junto de Regina e começar a trabalhar como correspondente.
Quando encontrei a minha colega suíça na enseada de Botafogo, eu já morava no Rio de Janeiro havia quatro anos. Já falava a língua com desenvoltura e estava integrado na sociedade. Nós tínhamos uma filha espetacular e vivíamos num apartamento aconchegante no Catete. Tudo corria bem, tanto no amor como no trabalho. A única coisa que me preocupava era o meu visto de permanência. Sem o visto, eu não podia abrir uma conta no banco, nem fazer a assinatura pós-paga de celular. Apesar de viver havia vários anos no Brasil, ainda continuava com o meu visto de turista. A Polícia Federal não dava a mínima para a minha situação, nem para a Constituição do país que garantia o visto permanente para os cidadãos estrangeiros que tivessem uma criança nascida no Brasil. Para a Polícia Federal, eu continuava a ser um gringo a quem os policiais deviam infernizar. Quando ficou provado que eles, após muitos anos de espera, tinham escrito erradamente o nome do meu pai e exigiam que eu fizesse um novo pedido, perdi finalmente a paciência. Contratei um advogado para resolver o problema.
O que o tempo perdido na Polícia Federal me ensinou foi o quanto o Brasil é um país corrupto. Aprendi que a burocracia é necessária para que a corrupção funcione e que será preciso lutar muito para que desapareça. Esta opinião coincidiu com o surgimento do escândalo do Mensalão, demonstrando que aquele homem que me inspirara e ajudara a obter o trabalho dos meus sonhos no Rio, era, afinal farinha do mesmo saco de sempre. O Partido dos Trabalhadores não era nenhuma exceção – se tratava de uma organização tão corrupta com todas as outras. Foi então que, pela primeira, senti vez o Brazilian Blues.
Anos mais tarde, essa condição voltaria a atormentar-me. Mas, comparativamente com o Mensalão, o que reativou meu Brazilian Blues foi um escândalo pequeno – pelo menos se medido em dinheiro. Nem se tratava de dinheiro público. Aconteceu que o presidente do Senado foi declarado suspeito de ter pedido a uma construtora civil para pagar o sustento de uma criança, nascida fora do casamento, que ele tivera com uma das jornalistas que cobriam o Congresso. Se a construtora assumisse os pagamentos, ele facilitaria, como presidente do Congresso, a participação da firma em futuras licitações. Para toda a nação, Renan Calheiros foi considerado culpado. Para os eleitos do povo, os políticos, não.
Lembro-me da última votação como se fosse ontem. Todo o país ficou grudado na televisão, à espera da mensagem. Era como uma final da Copa do Mundo, mas dessa vez o Brasil não venceu. Renan Calheiros foi inocentado e a nação perdeu a esperança. No dia seguinte, enquanto eu seguia de bicicleta para o meu escritório, nas Laranjeiras, cruzei-me com uma mulher jovem que, no meio da rua, usava uma bola vermelha no nariz, como os palhaços. Ela não estava fazendo panfletagem, nem exibia nenhum pôster. Apenas estava ali com a bola vermelha no nariz, protestando em silêncio. Mais uma vez, os políticos tinham feito dos seus eleitores verdadeiros palhaços. O olhar resignado da mulher me deixou triste. Foi então que realmente caí no Brazilian Blues.
Senti que o Brasil não avançava. Estava dançando em círculos como um cachorro que fica tentando morder a sua cauda. Compreendi também que a teoria do desenvolvimento com a qual eu cresci ― de que se aprende com os erros e sempre se consegue melhorar ― não funciona aqui. O Brasil repete facilmente os seus erros e não faz grande questão de aprender com eles. Senti-me como se tivesse caído no mesmo blefe que Stefan Zweig. Quando o escritor austríaco veio ao Brasil pela primeira vez, em 1936, era o autor mais lido e traduzido da Europa. Foi quem melhor descreveu o tempo entre as duas guerras e a decadência coletiva que empurrou os países para a Segunda Guerra Mundial.
No Rio de Janeiro, Zweig ficou fascinado com a tolerância multicultural entre gente de várias origens e religiões. Achou que o Brasil seria uma solução para a Europa, arrasada pelos ódios raciais. Foi ele que escreveu:
“Enquanto no nosso velho continente, as pessoas se dedicam à vã ideia de criar ´raças puras´ como quem cria cavalos de corrida ou cachorros, a nação brasileira dedica-se por completo à construção de um país, baseado, por princípio, numa mistura de raças, livre e irrestrita, para chegar à equalização perfeita entre negros, brancos, pardos e amarelos.”
Quando voltou ao Brasil pela terceira vez, em 1941, Stefan Zweig já não estava tão convencido da maravilha brasileira. Alugou uma casa em Petrópolis e foi ficando cada vez mais deprimido. Foi insuficiente o fato de ter escrito no Brasil a melhor novela da sua vida (“Xadrez”) e de ter visitado o carnaval do Rio com a sua nova e jovem esposa. Nenhum samba do mundo podia salvá-lo. Alguns dias depois do carnaval, acabou com a sua própria vida.
A questão é saber se Stefan Zweig não foi, entre nós estrangeiros, o primeiro a ser atacado pelo Brazilian Blues.
Felizmente o meu blues não foi tão desesperador, mas ainda assim foi bastante sério para que Regina me pedisse para começar a fazer terapia. Evidentemente, eu tinha ainda outros problemas. Achava, por exemplo, que era difícil ser pai no Brasil.
Na Suécia, todos os papais ficam seis meses de licença remunerada, com salário completo, pago pelo governo, para tomar conta dos seus filhos recém nascidas. A iniciativa começou em 1974 e fez com que os pais e as mães pudessem manter um contato frequente com as crianças. Se a criança cai e se fere, ela tanto corre para a mãe como para o pai. Quando um pai também toma conta do bebê, os laços que ligam a criança ao pai podem ser tão fortes como aqueles que a ligam à mãe. Antes da nova lei, em caso de divórcio as crianças ficavam, automaticamente, com as mães. Hoje, são tantas as crianças suecas que escolhem morar com a mãe como aquelas que preferem os pais.
No Brasil matriarcal, eu próprio tive que pagar a minha licença paternal. Quando a licença de quatro meses da minha mulher terminou, eu fiquei em casa e levei a nossa filha para a creche todos os dias. O meu único problema eram as outras mães. Perdi a conta das vezes que eu tive de explicar que a minha mulher estava trabalhando e que eu tinha escolhido tomar conta da nossa filha. As mães sempre perguntavam: “Onde está a sua mulher?” Até mesmo com a minha família brasileira tive de lutar pelo direito de ser pai. A mãe da minha mulher achou que poderia tomar conta da minha filha melhor do que eu. Levantei a questão com o meu terapeuta e ele também não entendeu qual era o meu problema.
“Por que não é bom que ela tome conta da criança? Assim, você poderá fazer outras coisas”.
O terapeuta foi mais eficaz quando me disse o que fazer para dominar o meu Brazilian Blues. Exatamente como a minha colega suíça, eu não deveria me fixar no lado doentio da sociedade e me concentrar antes no lado saudável.
“Faça um passeio ao longo da praia. Coma um bom almoço em Santa Teresa. Leia um bom livro. Evite os noticiários”.
Por muito que eu quisesse, não podia evitar tomar conhecimento das ações do maldito Congresso. E elas me comiam por dentro.
“Será que não pode começar a treinar thai boxing ou qualquer outro esporte com o qual você possa se descontrair? Na situação atual, os problemas só ficam criando mais raiva dentro de você. Tem que se soltar, se descomprimir. É o que eu faço. Todas as manhãs nado mil metros para manter a cabeça alerta”, disse o terapeuta.
Facilitou o fato de ele não ter partido para a defensiva, nem começado a criticar o mundo inteiro, como muitos brasileiros fazem, quando os estrangeiros criticam o seu país. O terapeuta confessou, mais do que voluntariamente, que o Brasil é um país infantil que não quer se aperfeiçoar. Em contrapartida, salientou que existem muitas coisas boas e saudáveis no Brasil para compensar.
“Você tem aqui uma liberdade que jamais vai ter na Suécia. O clima é melhor e mais confortável. Você não precisa lavar, limpar ou fazer comida. Isso cabe à sua empregada. Também recebe em casa as compras feitas no mercado. E isso não acontece na Suécia”, disse ele, rindo.
O que fez o meu blues se manter ativo foi o fato da relação entre mim e Regina ter ficado ruim. Quando a nossa filha nasceu, os pulmões dela não se abriram e, durante vários dias, ela ficou oscilando entre a vida e a morte. Essa espera foi a mais difícil pela qual passei na vida – para a minha mulher também. A diferença entre nós surgiu depois, quando os pulmões da nossa filha por fim se abriram. Para mim, o problema estava resolvido. Deixei o pesadelo para trás e fui em frente. Mas a minha mulher se afundou em preocupações, sempre na expectativa de que algo mais pudesse acontecer. Via apenas catástrofes na sua frente e jamais deixava que a alegria pairasse na nossa casa. E se eu lhe pedisse para parar de se preocupar, ela chegava a gritar:
“Eu não quero te ver nunca mais!”
Fiquei preocupado. Discutíamos cada vez mais.
“Você não pode tentar entendê-la ao pé da letra. O mau humor dela significa, certamente, apenas, que ela está descontente com alguma coisa. Tente entender, antes, do que se trata. Ou ainda melhor. Saia de casa quando ela gritar e volte quando ela já se tiver acalmado”, disse o terapeuta.
Respondi que isso eu não poderia fazer. Na Suécia, é uma desconsideração abandonar um lugar a meio de uma discussão.
“Faça um teste. Acredito que ela não vai ficar chateada por isso. O importante é que, assim, você evita discutir com ela diante da criança”, acrescentou o terapeuta.
Na discussão seguinte, fiz como ele disse. Fui até a esquina e bebi alguns chopes com outros brasileiros que também tinham fugido de casa. Fiquei por lá por cerca de uma hora e só depois voltei para casa. Nessa altura, tudo tinha voltado a estar calmo e até fui recebido com um grande abraço. Lenta, mas seguramente, aprendi como devia fazer para evitar conflitos no lar.
O que continuou a me deixar frustrado foi o fato do meu visto ainda não ter saído. Sem isso, eu ficava completamente dependente da minha mulher sempre que tinha de tratar de assuntos com as autoridades. Como não podia abrir uma conta num banco, também não podia pagar as minhas contas pela internet. Isso me obrigava a ficar em longas filas, nas casas lotéricas, esperando para pagar as minhas contas em dinheiro vivo. Verifiquei que perdia um dia por semana para tratar desses pagamentos, coisas que eu resolvia com uns cliques, à noite, na Suécia. O meu chefe reclamava de eu estar quase sempre numa fila quando ele precisava de mim. Eu expliquei que no Brasil a burocracia era terrível e ele ficou surpreso. Ele achava que a vida nos trópicos era simples. E logo teve uma ideia.
“Quero que escreva uma crônica por mês a respeito dos problemas que você enfrenta todos os dias no Brasil”, disse o chefe.
Eu levei a missão a sério e logo me diverti muito mais nas filas. Anotei todas as esquisitices e entrevistei as pessoas enquanto elas esperavam para ser atendidas. O resultado: essas crônicas se tornaram os meus textos mais lidos do jornal. Numa das crônicas favoritas do público, eu tentava explicar para que servem os cartórios. Tive que recuar até os tempos do império romano para que os suecos pudessem compreender o sistema. Mesmo assim não entenderam nada. Não podiam aceitar que uma autoridade privada funcionasse, ganhando dinheiro, para confirmar que o documento de identidade da pessoa era, de fato, o documento de identidade da pessoa em questão. Na Suécia, o documento de identidade funciona como prova de identidade. Não são necessários intermediários.
Uma outra crônica bastante popular entre os leitores, foi aquela em que escrevi a respeito do meu processo para obter o visto permanente. Descrevi a pia existente na Polícia Federal, onde lavei as mãos da tinta preta aplicada nos dedos para tirar as impressões digitais. Era a pia mais cagada que eu vi em toda a minha vida. As camadas de sujeira eram espessas como pasta de dentes preta. O sabão e a escova eram negras como carvão; a toalha era tão pegajosa e suja que mais valia secar as mãos agitando-as no ar. Perguntei ao policial como ele se sentia ao contaminar os dedos do pessoal com a tinta, quando nas recepções dos grandes escritórios, em São Paulo, a digitalização das impressões digitais era usada havia muito tempo.
“Eu sei. Nós já devíamos utilizar essa nova técnica há muito tempo”, respondeu ele, suspirando.
Uma dessas crônicas mais bizarras focava a minha primeira participação em uma assembleia de condôminos, depois de ter conseguido comprar o apartamento dos nossos sonhos na Rua Paissandu. Uma família queria entrar com uma ação contra o condomínio por alguém ter jogado pontas de cigarro para o seu terraço. Aparentemente, havia uma antiga desavença por resolver, mas a reclamação disparou uma discussão violenta. O presidente da assembleia chamou a mulher da família de “vaca” ao que ela respondeu chamando-o de “veado”.
“Você vive com um cachorro por que nenhuma mulher quer viver com você”, gritou ela.
A reunião degenerou numa briga geral de todos contra todos. Depois, aconteceu uma coisa muito estranha. Quando a reunião chegou ao seu final, todos ficaram amigos de novo e tanto a “vaca” como o “veado” voltaram a falar um com o outro como se nada tivesse acontecido. Foi nessa altura que, pela primeira vez, eu entendi o conteúdo da expressão “Tudo acaba em pizza e samba.” Na realidade, trata-se do medo diante de conflitos. Em vez de ir a fundo na resolução do problema e regularizar o que está errado, dá-se preferência a esquecer o assunto. É por isso que os problemas no Brasil nunca são resolvidos. Sempre voltam a surgir.
Após um tempo vivendo no condomínio, cheguei a perguntar a uma das mulheres no conselho condominial como é que ela podia voltar a ser amiga de uma família que ameaçou acionar o condomínio na justiça. Seria isso consequência do medo de conflitos?
“Não. Acho que é por causa das novelas”, respondeu ela. “Nós, brasileiros, precisamos de finais felizes”.
Uma outra coisa que aprendi no condomínio foi a razão pela qual quase todas as casas e apartamentos no Brasil apresentam provas de infiltrações. Primeiro, achei que isso era fruto de corrupção. As empreiteiras construíam, usando concreto de baixa qualidade e canos baratos. Depois, achei que era erro dos engenheiros. Não levavam em consideração as repetidas trombas de chuva e não criavam escoamentos para a água. Por fim, cheguei à conclusão de que as manchas eram decorrentes de outra coisa.
Na Suécia, todas as reformas nos condomínios são feitas coletivamente. Quando um condomínio julga que alguma reforma é necessária, que as canalizações estão velhas, com risco de enferrujar, e precisam ser substituídas, todos os condôminos repartem entre si os custos da reforma. Em geral, a reforma é feita antes que qualquer dos apartamentos seja afetado. No Brasil, cada um dos condôminos é responsável pelo seu pedaço de canalizações. Ninguém participa de reformas coletivas. No nosso prédio art-decô, no bairro Flamengo, existem 96 apartamentos. Quando um cano rebenta e é consertado, logo outro arrebenta noutro apartamento. Tudo fica muito mais caro e toma mais tempo. A única consequência positiva das rupturas nas canalizações é a necessidade de ter no prédio um bombeiro. Ele fica na portaria, apenas aguardando a próxima chamada.
Aquilo que o problema das tubulações de água me ensinou é que os brasileiros têm medo das soluções comuns. Cada um quer resolver apenas os seus problemas.
Um efeito colateral das minhas crônicas foi o fato do meu blues brasileiro começar a aliviar a sua pressão. Através da utilização dos meus problemas do dia-a-dia para as minhas crônicas, passei a criar um distanciamento em relação às loucuras encontradas. As crônicas transformaram-se no remédio que me faltava. Quando era obrigado a enfrentar uma fila ou uma burocracia no caminho, eu pegava o meu bloco de anotações e escrevia. Após algum tempo, passei a sentir que já estava suficientemente forte para aguentar a sociedade brasileira e comecei a pensar em terminar com a terapia. Mas escolhi continuar.
Para mim, a terapia se tornou uma espécie de thai boxing. Uma vez por semana, durante uma hora, expulso de dentro de mim todas as porcarias acumuladas durante a semana. A terapia me purifica e faz de mim um ser humano melhor. Também consegui compreender um pouco melhor o país e publiquei dois livros sobre o Brasil, que foram traduzidos de sueco para inglês, holandês e dinamarquês. Sou contratado para fazer palestras na Suécia sobre o Brasil e dou entrevistas, repetidamente, na mídia brasileira, em que analiso a minha nova pátria.
Desde há vários anos, o meu blues brasileiro desapareceu e eu me sinto muito bem no Rio. Aqui, encontro a espontaneidade e a convivência entre seres humanos de que sempre senti falta na Suécia. Amo as surpresas e a amizade espontânea que apenas existem na Suécia durante algumas semanas no verão. A minha filha também acha que é muito mais divertido viver aqui. Ela sai para o ar livre o ano inteiro e não precisa usar capas grossas, gorros e luvas. Aqui, ela é tratada como uma cliente nos restaurantes e não como alguém que está no caminho, incomodando, como é o caso na Suécia. Nós somos levados, quase sempre, para as melhores mesas e eu chamo muitas vezes a curiosidade das pessoas em volta por causa da minha aparência. É claro que provoco risadinhas quando mostro o meu corpo branquelo na praia ou me esforço na tentativa de dançar bem no Trapiche Gamboa, mas isso eu acho um barato. De uma maneira geral, sou muito bem tratado no Rio. Existe apenas uma coisa de que eu não gosto ― o preconceito contra os “gringos”.
Somos considerados burros e ingênuos. Acham que podem enganar a gente. Somos olhados como aquele tipo de visitante que fala um português engraçado e que não entende quase nada do Brasil. Todos acham que somos ricos e parecem querer ajudar o mais possível, mas quando, realmente, precisamos de ajuda, viram-nos as costas. É nessa altura que percebemos como, na realidade, o Brasil funciona. O que mais me irrita é o uso da linguagem. “Gringo” não é uma palavra que denote algo de positivo. É um termo negativo que assinala: você é o outro. Apesar dos casos de racismo nos Estados Unidos e na Europa seria impossível juntar os estrangeiros e chamá-los de “gringos”. Isso seria considerado xenofobia e resultaria em processo judicial por crime de discriminação. Mas numa nação de imigrantes como é o Brasil a situação é aceitável. O termo é utilizado, até mesmo com frequência, na televisão, no rádio e nos jornais.
No inverno passado, quando estava de férias em Itaipava, passou na minha frente um carro com uma galera de moradores locais. De repente, alguém baixou a janela e gritou:
“Gringo!”
O que queriam dizer com isso? Bem-vindo a Itaipava? Não dava para entender a exclamação desse jeito.
O pior da xenofobia brasileira foi a criação de um mito em que muitos brasileiros acreditam: os “gringos” são pedófilos. Quem colocou a pedra a rolar primeiro, não sei. Foram os filmes que apresentaram os estrangeiros com caracteres malignos, ao apontá-los como turistas sexuais, ou será que o medo da pedofilia tem um grão de verdade em si?
Uma vez, entrevistei a chefe da polícia civil no Rio, Martha Rocha, e aproveitei a ocasião para lhe perguntar se era normal encontrar estrangeiros implicados em crimes de pedofilia na capital carioca. Ela abanou negativamente a cabeça e disse que quase todas as agressões contra crianças são feitas em casa, por brasileiros. Muitas vezes, é alguém próximo da família que se aproveita da criança. Pode ser um tio, um primo ou um amigo da mamãe.
Mesmo assim a paranoia criada pela pedofilia está nos hotéis onde foram afixados cartazes avisando que é proibido o sexo com menores de idade.
No ano passado, algumas semanas antes do Natal, eu próprio fui vítima do preconceito.
Um colega meu estava no Rio para entrevistar o jornalista norte-americano Glenn Greenwald. Levei-o para um bar na Praça São Salvador, nas Laranjeiras. Não existe um único sueco que não se derreta pelo Rio depois de visitar essa praça. Aqui se encontra todas as classes e todas as idades. De manhã brincam as crianças, a tarde ficam os idosos e a noite é a maior concentração de hipsters no Rio. Uma hora mais tarde, a minha mulher e a nossa filha, então com nove anos, passaram pelo bar. Minha filha se sentou no meu joelho e pediu um refrigerante. Regina me beijou, cumprimentou o meu colega e dividiu uma cerveja conosco. Quinze minutos depois, as duas foram embora e o colega e eu continuamos a discutir o escândalo das escutas feitas pela NSA, dos Estados Unidos. Ao bebermos mais uma cerveja, um casal de hipsters, na mesa ao lado, virou-se para nós e o homem apontou para mim:
“Você não sabe que aquilo que fez é proibido no nosso país?”
Eu não entendi o que o cara queria dizer.
“No nosso país, isso que você fez é proibido”, repetiu ele.
A mulher agitava nervosamente o seu dedo na minha frente.
“É nojento o que você fez”, disse ela.
Quando a ficha caiu, fiquei sem ação, de tal maneira que demorou vários segundos antes de conseguir pegar o meu celular, colocá-lo no sistema de gravação de vídeo e começar a gravar o casal. Deixei claro para eles que era da minha filha que estavam falando e de que era a minha esposa que estava sentada ao meu lado. Mesmo assim, o casal riu-se de mim, bem na minha cara, achando que eu estava mentindo. Pela primeira vez, desde que me mudei para o Brasil, senti vontade de partir para a briga.
Telefonei para a minha mulher que desceu até nós para saber o que tinha disparado os preconceitos do casal. Chegou-se à conclusão de que o casal achou que eu era um turista sexual, visto que eu falava uma linguagem estranha com outro estrangeiro e que a minha mulher era uma prostituta, visto ser uma carioca de cor que se dava com estrangeiros. A nossa filha, achavam eles, era uma criança que a “prostituta” teria tido com um outro “gringo” e que, no momento, alugava para fazer sexo.
Ficamos tão chocados que só no dia seguinte resolvemos ir à delegacia mais próxima no Catete para registrar a ocorrência e denunciar o casal. Agora, eles são dados como suspeitos de discriminação racial e aguardam a chamada do serviço público assim que a minha filmagem seja considerada pela justiça.
Aquilo que também nos surpreendeu foi o fato da agressão ter acontecido na Praça São Salvador, a praça mais democrática do Rio de Janeiro. Se tivesse acontecido em Ipanema ou no Leblon, onde já fomos maltratados por causa da combinação de cores de pele, eu não teria ficado tão surpreso. Mas aconteceu nas Laranjeiras, um bairro onde o ativista de direitos humanos Marcelo Freixo tem a sua base de apoio mais forte.
Todas as vezes que alguém acha que a minha mulher é uma prostituta, apenas por que ela é mulata e está com um estrangeiro branco, isso me dói muito. A minha mulher é uma lutadora que conseguiu progredir na preconceituosa sociedade brasileira, apesar de ter perdido o pai com câncer quando tinha apenas cinco anos de idade. Graças a uma bolsa da escola católica Externato Angelorum, na Glória, ela conseguiu uma boa educação. E, a partir daí, conseguiu também realizar o seu sonho de se transformar em professora de História.
Há quase vinte anos, Regina trabalha em uma das melhores escolas particulares da Tijuca e é escolhida todos os anos como paraninfa dos alunos. Ganha muito pouco em relação aos serviços que presta, e paga escabrosamente muito em impostos, comparando com o que ela recebe de volta. E, no entanto, continua a ser chamada de “prostituta” pelos seus concidadãos por estar casada com um “gringo”.
Penso por vezes em Stefan Zweig, que criou o conceito: Brasil ― O País do Futuro. Quando analisou a Europa, os seus sentidos não erraram nem um pouco. Ele pôs o dedo e acertou, praticamente, em tudo. Mas quando veio para o Brasil parece que ficou cego. Como é que pode não notar o racismo estrutural no país, de forma tão total? Andou circulando pelas favelas, falou com o povo e viajou por todo o Brasil. Em certa parte do livro, afirma que “de uma maneira muito simples, o país resolveu o problema do racismo que está acabando com o nosso mundo europeu: ignora-se, simplesmente, a sua suposta existência”.
Atualmente, sou atacado pelo Brazilian Blues somente a cada quatro anos, quando chega a hora das eleições. Basta olhar para os sorrisos dos candidatos nas bandeiras eleitorais e já fico me sentindo tão mal que quase não consigo nem escrever as minhas reportagens. Essa sensação é compartilhada pela maioria dos jornalistas brasileiros que também ficam desapontados diante da quantidade de políticos corruptos que sempre conseguem se eleger e, o que é pior ainda, que conseguem se reeleger para o Congresso. Quando discutimos o dilema, vejo nos olhos dos meus colegas brasileiros que também eles sofrem do blues. Para falar francamente, acho que essa é uma sensação normal para muitos brasileiros. Eles sabem que moram num país onde a corrupção se tornou uma cultura e que esta situação é tão difícil de mudar como o é na Itália.
Quando nós, estrangeiros, passamos a sofrer o Brazilian Blues, acho que isso, na realidade, é um sinal de que já ficamos brasileiros. Começamos a conhecer o país e aceitar que, para o bem ou para o mal, é um país que jamais mudará de verdade.
HENRIK BRANDÃO JÖNSSON