21
out
2018

Ele libera o ódio na república do carnaval

Jair Bolsonaro no debate do Band.

Jair Bolsonaro no debate do Band.

RIO DE JANEIRO/DN Eram 23:30 quando o fundador do Pink Floyd, Roger Waters, decidiu manifestar-se e comentar a eleição presidencial brasileira no estádio de futebol do Palmeiras, em São Paulo.

Eu sei que não tenho a ver com isso, mas eu sou contra a ascensão do fascismo em todo o mundo“, disse o cantor. Em uma tela atrás dele, brilhavam em vermelho os nomes de Orbán, Kaczyński, Trump, Le Pen e do brasileiro Bolsonaro.

É porque eu acredito nos direitos humanos que eu preferiria não viver sob o domínio de alguém que pensa que a ditadura militar é algo bom“, disse ele, esperando aplausos ensurdecedores da platéia de 45.000 pessoas. Em vez disso, a multidão se sentiu incomodada. Digo mais uma vez. A multidão se incomodou.

Quando Roger Waters mudou a imagem no telão e mostrou a hashtag feminista #EleNão – um apelo para que os brasileiros votem em qualquer um, exceto Bolsonaro – o público gritou: “Filho da puta!“, “Vai Tomar no cú”, e “lixo!“. O compositor da banda Pink Floyd, sem saber o que fazer, começou rapidamente a cantar a canção anti-guerra “Mother“, que começa com a frase “Mãe, você acha que eles vão soltar a bomba?“.

As reações da turnê brasileira de Roger Waters são um exemplo revelador de a quê ponto chegou o populismo de direita no quinto maior país do mundo. Até mesmo os fãs de Pink Floyd vão votar em um nacionalista de direita que enaltece a ditadura militar. Onde foi parar a república do carnaval? De onde vem toda a raiva? É a parte escondida do Brasil que chegou a superfície?

A explicação mais rápida é que o Brasil, nos últimos quatro anos, passou pela pior crise econômica de sua história. A economia encolheu 10% e o desemprego subiu para 12%. Ao mesmo tempo, as estatísticas de assassinatos foram lá em cima. 13% de todos os assassinatos no mundo estão acontecendo agora no Brasil. Para muitos pobres, a violência acontece tão de perto que se tornou parte de suas vidas cotidianas. Não são os ricos que são afetados. Eles se fecham em muros e usam carros à prova de balas. Aqueles que são roubados geralmente são os mais pobres entre os pobres.

O ex-militar, Jair Bolsonaro, aproveitou da insatisfação da classe média com a violência e lhes concedeu um slogan que eles queriam ouvir: “bandido bom é bandido morto“. Parece com o Duterte nas Filipinas, não é? Espera que vai ficar ainda pior.

Bolsonaro promete recompensar o policial que atirar para matar e disse que o policial que não mata não é um bom policial.

Mas o policial brasileiro não precisa de incentivo. Já é a polícia que mais mata no mundo, cerca de 5.000 mortes por ano, das quais a maioria são de negros. Se Bolsonaro for eleito, será um banho de sangue. A bandeira verde e amarela, que seus seguidores cantam “nunca será vermelha”, será colorida de vermelho sangue.

A base política de Bolsonaro repousa na convicção de que somente os militares podem colocar ordem no Brasil. Essa idéia nasceu no final de 1800, quando o maior país do hemisfério sul ainda era uma monarquia escravista, e foi inspirada pelo filósofo francês Auguste Comte, que fundou o positivismo. Os militares se interessaram pela mensagem de Comte que dizia que existe um sistema de progresso, e onde não há progresso, não há ordem. Quando a monarquia foi derrubada por um golpe militar em 1889, o primeiro presidente da República foi um general. Ele introduziu o provérbio positivista de Comte – “Ordem e Progresso“, que tomou lugar na bandeira nacional.

Havia apenas uma coisa que não agradava o General. O parlamento não lhe obedecia. Descontente com um dos fundamentos básicos da democracia, o poder legislativo, ele dissolveu o parlamento e substituí-o por um outro militar. A República brasileira foi fundada, mas falhou em seu compromisso mais importante. Os militares não criaram qualquer política para integrar à sociedade os escravos recém-libertados.

Em vez disso, importou-se mão-de-obra européia para assumir os trabalhos dos ex-escravos. O Brasil veio a ser o país da América, depois dos Estados Unidos, que mais recebeu alemães, italianos, poloneses e suecos. Como conseqüência, os escravos libertados, que constituíam na época 20% da população, foram excluídos do mercado de trabalho. Para integrá-los, os generais queriam primeiramente que eles se tornassem brancos, e introduziram o projeto biológico racial do “branqueamento”. Eles queriam que os europeus branqueassem a população negra.

A próxima vez que os militares tomaram o poder no Brasil foi com o golpe militar de 1 de Abril de 1964. Os generais tinham se cansado de João Goulart que, apesar de elegido democraticamente, era considerado esquerdista demais na visão dos generais. Goulart queria combater o analfabetismo e introduzir o sufrágio universal. Até então, apenas as pessoas que sabiam ler e escrever podiam votar, o que excluía a maioria da população negra. A reforma da educação seria financiada por impostos e pelo aumento do papel do Estado no setor de negócios.

Os generais entraram em confronto com o presidente e mantiveram o poder por 21 anos. Foi durante a ditadura – que matou, torturou e exilou milhares de brasileiros – que Jair Bolsonaro cresceu no interior do estado de São Paulo. Seus pais eram dois imigrantes italianos.

Uma das que lutou contra a ditadura foi a ex-presidente Dilma Rousseff. Ela fazia parte do movimento de resistência que sequestrava embaixadores e roubava bancos para conseguir dinheiro para o movimento. Quando a Dilma foi presa, o Coronel Ustra ficou feliz. Ele comandava o Centro de Tortura em São Paulo e tinha se tornado expert em coagir prisioneiros a delatar seus companheiros. O problema é que Dilma Rousseff nunca o fez. Ela teve que pagar um alto preço por isso. O coronel Ustra chamou-a de “boceta comunista” e lhe deu choques elétricos na área genital.

A tortura criou uma dor duradoura que Dilma Rousseff transformou em energia para a dedicação política. Ela se juntou ao Partido dos Trabalhadores e, eventualmente, alcançou o cargo mais alto do país. Quando a crise econômica se acelerou antes das eleições de 2014 e Dilma Rousseff adiou a imposição de medidas, os parlamentares conspiraram para derrubá-la. Quando essa votação histórica e risível se produziu na capital, Brasília, cada um dos 513 parlamentares teve a chance de justificar o seu voto. Quando chegou a vez do parlamentar de extrema direita, Jair Bolsonaro, de votar por sua destituição, ele gritou ao microfone: “Em memória do coronel Ustra!

O abuso verbal de Bolsonaro não apenas abriu as feridas de Dilma, como também mostrou que a política brasileira havia mudado. Bolsonaro foi absolvido das alegações de ter violado as regras de ética do Congresso e ficou conhecido como um político destemido. Desde então, Bolsonaro tem construído uma agenda nacionalista fomentando o ódio contra a esquerda. For por isso que Dilma Rousseff disse que ele tinha que culpar a si mesmo pela facada que levou durante a campanha eleitoral. “A gente colhe o que semeia“, disse ela.

Bolsonaro é conhecido nacionalmente por suas declarações sexistas, homofóbicas e racistas, mas está se tornando famoso internacionalmente também pelo encorajamento à desflorestação da Amazônia. Ele quer tirar o Brasil do acordo de Paris, através do qual o país se comprometeu à controlar a desflorestação, e pretende nomear um ministro da agricultura que não acredita nas mudanças climáticas. Isso significa que a floresta tropical pode, em breve, transformar-se em área de pastagem.

Apesar disso, os eleitores não o abandonaram. Frente ao segunda turno do dia 28 de outubro, ele lidera nas pesquisas com 56% dos votos, enquanto que Fernando Haddad, do Partido dos Trabalhadores, tem apenas 44% dos votos. O que explica Bolsonaro ter tantos eleitores é que seus principais eleitores de extrema direita, que nunca chegaram a mais de 20% da população, se juntaram à insatisfação generalizada contra a corrupção praticada por políticos brasileiros desde a fundação da República.

Já que o Partido dos Trabalhadores estava no poder quando evidenciou-se o maior escândalo de corrupção, os políticos do partido são também aqueles que têm recebido maior crítica pela cultura da corrupção. Bolsonaro só foi acusado de pequenos escândalos de corrupção e é, portanto, percebido pelo eleitorado como ficha limpa, apesar do fato de que durante seus 27 anos no Congresso, ele não mexeu um pauzinho para evitar a corrupção. Uma das poucas leis que ele criou foi para oferecer esterilização gratuita aos pais pobres com muitos filhos.

Como conseqüência de sua ascensão, restitui-se o ódio num Brasil antes conhecido por sua alegria. No dia seguinte à vitória esmagadora de Bolsonaro no primeiro turno, alguns homens rabiscaram uma mensagem no banheiro feminino de uma escola situada em meu bairro no Rio de Janeiro. “Sapatas vão morrer“, escreveram eles. À noite, uma multidão atacou uma mulher de 19 anos que vestia uma camisa com a hashtag feminista #EleNão na cidade de Porto Alegre. Os homens rasgaram a sua blusa e com um faca de bolso tatuaram uma suástica ao contrário em sua barriga. A mulher relatou o ataque, mas o delegado não reconheceu o símbolo como uma suástica nazista, e disse que a suástica é um “símbolo budista” que significa “paz, amor e harmonia“. A mulher ficou com medo e retirou seu relatório policial.

Em Recife, uma jornalista foi espancada com barras de ferro quando caminhava em direção a sua casa depois de assistir os resultados do primeiro turno. O motivo da agressão: ela portava uma credencial de jornalista em torno de seu pescoço. Os apoiadores de Bolsonaro odeiam jornalistas, os quais eles consideram ser esquerdistas politicamente corretos. A pior agressão ocorreu em Salvador, onde o mestre de capoeira, Moa do Katendê, foi esfaqueado em um bar por defender a política do Partido dos Trabalhadores de reduzir a violência no Brasil nivelando as brechas sociais. Um partidário de Bolsonaro foi em casa, pegou uma faca de cozinha e o esfaqueou até a morte.

O fato de Jair Bolsonaro, de 63 anos, poder se tornar o próximo presidente do Brasil, confunde os cientistas políticos. Eles não sabem como chamá-lo. Alguns dizem que ele é um populista de direita comum, enquanto outros o chamam de nacionalista de direita. O historiador argentino Federico Finchelstein, que escreveu o livro “Del fascismo al populismo en la historia” vai além e o chama de neofascista. O historiador acredita que Bolsonaro é “Mais Goebbels do que Berlusconi” e adverte sobre seus projetos militaristas e religiosos.

O que reforça as características fascistas dessa candidatura é o vice-presidente de Bolsonaro, General Mourão. Ele já chamou os povos indígenas e quilombolas de preguiçosos e malandros, e elogiou o projeto de biologia racial do branqueamento. Em um encontro com a imprensa, o general de pele escura apresentou seu neto branco e disse que o neto era um “belo exemplo” de como branquear alguém em duas gerações.

O que também tem dado dor de cabeça aos cientistas políticos é o nome que eles darão a um possível governo Bolsonaro. Bolsonaro já anunciou que cinco dos 15 cargos ministeriais propostos serão ocupados por generais. Ou seja, um terço do próximo governo brasileiro pode ser constituído por militares. Nem mesmo em Myanmar, uma ditadura militar até 2016, há tantos militares no governo. Segundo a nova constituição de Myanmar, apenas um quarto dos ministros podem ser militares.

Bolsonaro sinalizou que pretende nomear um general ao cargo de ministro da educação. O general terá a tarefa de militarizar o ensino fundamental e mudar o currículo escolar. Que saia a educação sexual e entre os valores militares.

Disso surge uma ironia amarga nos locais de show no Brasil quando os fãs brancos de Roger Waters e partidários de Bolsonaro cantam “We don’t need no education”, motivo principal da ópera rock “The Wall“. Os eleitores não se dão conta de que serão apenas os tijolos do regime fascista que Bolsonaro está construindo.

HENRIK BRANDÃO JÖNSSON/DAGENS NYHETER

Traduzido por Raquel Sandblad

A materia foi publicado 21-10-2018 no Dagens Nyheter, o maior jornal da Suécia e Escandinávia.

 

 

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